Quando a pandemia da Covid-19 foi decretada, em março de 2020, famílias passaram a conviver dentro de casa numa frequência antes inimaginável
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Isabella Menon
São Paulo, SP
Quando a pandemia da Covid-19 foi decretada, em março de 2020, famílias passaram a conviver dentro de casa numa frequência antes inimaginável. O medo da morte, a insegurança generalizada e o aumento da ansiedade fez com que pessoas corressem em busca de psicólogos.
Nos piores momentos da crise que matou mais de 660 mil brasileiros, pacientes em isolamento social, com a casa cheia de familiares, se amontoavam nos banheiros ou recorriam aos bancos de carros para fazer terapia online.
Após um período de agendas lotadas e pacientes em desespero, especialistas analisam que, agora, as pessoas estão começando a deixar o modo “sobrevivência biológica” de lado e passam por um momento de reflexão sobre o que mudou nos últimos dois anos. É o momento de vivenciar lutos, tanto de pessoas que morreram quanto de projetos que foram descontinuados.
Hoje, psicólogos notam que a agenda está mais estabilizada do que no início da pandemia. O perfil daqueles que buscam terapia também mudou. Antes, a procura acontecia no estilo “pronto-socorro”, em que pacientes precisavam ser ouvidos com urgência.
“Agora, as pessoas estão mais assentadas. Passou o susto e o medo está começando a recrudescer”, analisa a psicanalista Blenda de Oliveira. “Mas algumas pessoas ainda estão com um pouco de medo e desconfiadas. Afinal, ainda não sabe quanto tempo vai durar o recrudescimento da pandemia”, pondera a profissional, que cita o lockdown que ocorreu na China no início de abril.
Após um período assustador, reflete Blenda, é comum que a maioria das pessoas esteja, como diz o ditado, como “gato escaldado que tem medo de água fria”. “Sinto as pessoas com o pé atrás, o que eu acho que é bastante razoável e cada um tem que ir no seu ritmo”, diz ela.
Uma pesquisa da ABPS (Associação Brasileira de Psicologia da Saúde) aponta que 83,5% dos psicólogos ouvidos notaram um aumento de demanda de pacientes durante a pandemia. Além disso, 86% perceberam que os pacientes tiveram um aumento no sofrimento durante o período.
A pesquisa ouviu até o momento 121 especialistas, entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021. E também durante outubro e dezembro de 2021. Agora, uma terceira rodada está em processo de análise.
Miria Benincasa, secretária da associação e que está à frente do levantamento, afirma que a crise sanitária serviu para tornar a psicologia uma terapia de primeira necessidade.
“Isso não ocorreu apenas em consultórios particulares, mas houve a solicitação da entrada do psicólogo para fazer trabalho com famílias com parentes internados que não tinham acesso à informação. O sofrimento mental acompanhava tanto quem estava dentro quanto quem estava fora”, diz.
“Durante a pandemia, psicólogos ficaram sem horário. Hoje, esse cenário está estabilizado”, calcula a secretária, relatando que era comum notar consultórios de profissionais recém-formados também sem horário livre na agenda. “Isso foi inédito.”
Outro levantamento, feito pelo jornal americano The New York Times, que ouviu 1.320 profissionais de saúde mental, mostrou um cenário semelhante. Publicada em dezembro de 2021, a pesquisa apontou que nove entre dez terapeutas confirmaram que o número de pacientes estava aumentando.
A maioria dos profissionais informou ainda que enfrenta listas de espera mais longas e dificuldade em atender à demanda de pacientes. A procura, na maioria das vezes, acontece devido à ansiedade e depressão, mas problemas familiares e em relacionamentos dominam as conversas.
“Me parece que o isolamento social trouxe à tona conflitos históricos que eram diluídos na rotina da vida e exigiam menos atenção. Agora, o isolamento fez com que esses problemas exigissem essa atenção”, afirma Benincasa.
Apesar do retorno da vida ao presencial ser necessário, isso não é um processo fácil, explicam os especialistas. Muitas pessoas estão encontrando dificuldade para retomar a interação.
Anna Carolina Bianco, vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia, cita que, para os jovens, o retorno é particularmente difícil. “É como se tivesse que recomeçar, com a retomada das aulas presenciais e o contato pessoal, e vemos dificuldades nisso, como casos de fobia”, diz ela.
Um exemplo é que, segundo dados da Secretaria da Educação de São Paulo, nos dois primeiros meses de aula deste ano foram registrados 4.021 casos de agressões físicas nas unidades estaduais –48,5% a mais que no mesmo período de 2019, último ano em que os alunos frequentaram as aulas presenciais todos os dias.
Outro perfil que também tem sofrido com a retomada à vida presencial inclui as pessoas que se acostumaram com o trabalho remoto, afirma a psicóloga. “Houve uma perda de laços sociais e não tem como suportar todo mundo afastado. É necessária essa volta”.
Outra parcela da população que também pode sofrer com a volta da vida presencial é a das crianças. A psicóloga Elda Silva, que atende na Clínica Psicólogos em São Paulo, analisa que quanto mais nova a criança é, mais fácil é ela se adaptar.
“A partir dos sete anos, eles têm uma dificuldade maior. Houve uma mudança abrupta. Em um momento eles estavam na escola, depois foram para casa e agora voltaram para o convívio. Isso gera insegurança.”
A insegurança pode estar ligada ao fato de que, em meio aos piores momentos pandêmicos, as pessoas aprenderam a se virar dentro de casa. Naquela época, explica Marcelo Santos, psicólogo e professor na área da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as pessoas tinham controle da situação ao permanecerem em casa. Agora, isso foi perdido.
Ele afirma que percebe, hoje, uma alteração de humor mais evidente unida a uma certa melancolia.
“As pessoas vão ter que reaprender naturalmente o tato social, mas a queixa é essa: ‘Nossa, mas eu vou ter que ir ao trabalho, vou ter que interagir com pessoas, vou ter que pegar trânsito de novo?”
“Você vê essas pessoas tendo que fazer um esforço adicional para voltar a ter as relações que tinham antes”, diz ele, afinal, no presencial somos obrigados a conversar com quem gostamos, com quem não gostamos e tudo que foi evitado em dois anos.
Pablo Castanho, professor do Ipusp (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), analisa que é comum que agora pessoas vivam processos que foram evitados no isolamento, como o luto.
“Há um tom mais depressivo e temos precisado entrar mais com tratamentos psiquiátricos”, diz.
Para ele, a palavra “voltar” já é enganosa. As pessoas estão retornando a ambientes que já conheciam, porém em meio a um cenário em que muita coisa mudou, afirma.
“Quando falamos em retorno, não estamos falando que estamos voltando ao que era antes. Do ponto de vista psicológico, é quando as dores vão aparecendo.”
Castanho nota que as pessoas estão tristes e irritadas. “Temos que pensar em estratégias de acolhimento nos retornos, como grupos em que as pessoas possam conversar. É preciso de um olhar dos gestores para entender os espaços de convivência, do cafezinho, do bate-papo e, às vezes, as pessoas não percebem que isso é importante para a saúde mental.”