Segundo os autores, as células retiradas no dia da análise mostraram uma capacidade semelhante de formação de colônias
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Por Samuel Fernandes
São Paulo, SP
Células-tronco de espermatozoides de camundongos tiveram sucesso em colonizar testículos dos animais mesmo depois de 23 anos congeladas, aponta pesquisa publicada nesta terça-feira (10) na revista científica Plos Biology.
No futuro, a descoberta pode ser útil, projetam os cientistas, para crianças e adolescentes que precisam passar por tratamento contra câncer e, por vezes, têm a sua capacidade reprodutiva comprometida na vida adulta.
As células-tronco têm, como definição, a possibilidade de se desenvolver em outros tipos celulares, sendo interessantes para estudos de regeneração de tecidos, por exemplo.
“Há experimentos em que se pega uma célula-tronco [no início da formação do organismo] e, ao colocá-la em músculos, ela se transforma também em músculo”, explica Stênio de Cássio Zequi, líder do Centro de Referência de Tumores Urológicos do A.C.Camargo Cancer Center, que não participou do estudo.
No caso dessa pesquisa, os cientistas utilizaram as células-tronco específicas da formação de um espermatozoide –elas são chamadas de células-tronco espermatogoniais (SSC, na sigla em inglês).
Essas células são essenciais para o início da espermatogênese, processo nos testículos que ocasiona a produção dos espermatozoides.
Quando uma pessoa precisa passar por tratamento contra câncer, como quimioterapia, porém, pode ter essa etapa de desenvolvimento prejudicada. Isso ocorre, conta Zequi, porque o mecanismo terapêutico age em todas as células que têm constante renovação, como é o caso das células malignas do tumor e também das células reprodutivas. Assim, a quimioterapia causa infertilidade nos pacientes.
Para homens adultos, é possível optar por congelamento de sêmen, já que alguns podem continuar estéreis mesmo após o término da terapia –segundo Zequi, cerca de 50% a 80% conseguem reaver a capacidade reprodutiva.
Mas esse não é o caso para crianças, já que elas ainda não têm um sistema reprodutivo maduro. “O sistema reprodutor fica maduro na puberdade, não está desenvolvido completamente na criança. Ele também não ejacula, então não tem como coletar o sêmen”, diz.
Desse modo, alguns jovens que são diagnosticados com câncer e fazem tratamentos agressivos podem perder completamente a fertilidade.
A ideia do estudo foi encontrar uma solução para esse problema. Como os cientistas se concentraram nas SSCs, esse caminho poderia ser utilizado nessas crianças porque as células poderiam ser coletadas antes da quimioterapia, congeladas e depois transplantadas para o paciente, a fim de reaver a capacidade de reprodução.
Renato Fraietta, professor de reprodução humana da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que esse tipo de pesquisa “são as mais promissoras”. Normalmente, existem duas possibilidades: a primeira envolve descongelar a célula-tronco e maturá-la antes de transplantar em um organismo e a segunda consiste em enxertar diretamente em um ser vivo para constatar se ocorre a colonização nos testículos.
A pesquisa recém-publicada seguiu por essa segundo alternativa e se valeu de camundongos. Além disso, os pesquisadores utilizaram três grupos de SSCs: o primeiro teve as células congeladas por mais de 23 anos, o segundo entre 1 a 4 meses e o último teve as células retiradas no dia da própria análise.
Após isso, cada um desses grupos celulares foram transplantados em camundongos receptores. Foi observado que todos os grupos conseguiram colonizar os testículos dos animais, representando o início do processo de constituição dos espermatozoides.
Segundo os autores, as células retiradas no dia da análise mostraram uma capacidade semelhante de formação de colônias à das células congeladas há 23 anos.
“É um grande primeiro passo que mostra a habilidade da célula-tronco de voltar à atividade quando colocada no tecido receptor”, completa Zequi.
No entanto, a descoberta não indica que necessariamente as células congeladas desembocaram em espermatozoides capazes de fecundar um óvulo, já que a produção constitui 13 etapas –as células-tronco se encontram na primeira fase.
No artigo, é explicado que o grupo celular congelado a longo prazo teve um desempenho menor na produção de espermatozoides saudáveis comparado aos outros dois grupos. Por isso mesmo, os próprios autores apontam a necessidade de mais estudos para provar que a descoberta realmente pode ter um significado importante na capacidade reprodutiva.
Esse ponto também é reiterado por Fraietta. Ele ressalta que, no momento, todas essas pesquisas ainda são experimentais, mas “daqui a alguns anos, quando esse garoto [que passou por tratamento de câncer na atualidade] for adulto e quiser ter filhos, esperamos que essa tecnologia já esteja mais avançada”.
O professor aponta que outros estudos já demonstraram certo sucesso. Um deles, também mencionado na pesquisa recém-publicada, envolveu um experimento em ratos no qual foi observada a restauração da fertilidade após o transplante de células-tronco. “Mas isso nós não temos em humanos”, conclui Fraietta.