“É um absurdo, é inconcebível ter mortes em crianças por uma doença que é totalmente prevenida pela vacinação”, afirma a médica
O Governo de São Paulo confirmou nesta semana o segundo caso de sarampo no estado em 2022, identificado em Cubatão. O primeiro registro, na capital paulista, foi feito em fevereiro. A Secretaria de Estado da Saúde não informou a idade das pessoas ou se elas estavam vacinadas, nem quantas notificações estão em análise.
Os dois casos confirmados são de transmissão autóctone, quando o paciente contrai a doença no próprio estado, sem viajar a outro lugar.
No Brasil, até 26 de março, eram 13 notificações da doença, segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde. O Amapá tinha 12 ocorrências, enquanto, até ali, São Paulo havia registrado apenas uma. De acordo com a pasta, 98 casos suspeitos seguem em investigação.
Para Mônica Levi, presidente da Comissão de Revisão de Calendários de Vacinação da Sbim (Sociedade Brasileira de Imunizações), o momento é de preocupação. “Estamos com três campanhas que vão acontecer simultaneamente [sarampo, gripe e Covid]. É difícil organizar isso no país, mas é o desespero pelo controle dessas doenças”, diz.
O Brasil recebeu, em 2016, o certificado oficial de erradicação do vírus do sarampo e, em 2017, também não registrou nenhum caso. No ano seguinte, porém, houve um surto, com 10.346 ocorrências da doença.
Em 2019, além de perder a certificação de “país livre do vírus do sarampo”, foram registrados 20.901 casos em todo o território nacional. No ano seguinte, em meio à pandemia de Covid-19, o Ministério da Saúde confirmou 8.448 ocorrências e, em 2021, 668.
Já em São Paulo, de acordo com a Secretaria de Estado da Saúde, em 2021 foram 9 casos confirmados e, em 2020, 883 registros.
No ano passado, o Brasil confirmou duas mortes por causa do sarampo, ambas no Amapá. Os dois bebês, de 4 e 7 meses, não haviam sido imunizados contra o vírus. De acordo com Levi, crianças imunodeprimidas e desnutridas têm mais chances de óbito.
“É um absurdo, é inconcebível ter mortes em crianças por uma doença que é totalmente prevenida pela vacinação”, afirma a médica.
De acordo com Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), é considerada completamente protegida contra o sarampo a criança acima de um ano que está com as duas doses da vacina em dia.
“Nós fazemos em alguns estados, inclusive em São Paulo, uma dose com seis meses, que a gente chama de dose zero, em função dos casos de sarampo que têm acontecido, para dar uma proteção dos seis meses até um aninho”, explica.
“Ter sarampo antes de um ano de idade é porque você tem alguém próximo [à criança] com o vírus que não estava vacinado. Nos menores de dois anos a gravidade é maior.”
CAMPANHA DE VACINAÇÃO CONTRA O SARAMPO
Desde 4 de abril é realizada uma campanha nacional de vacinação contra o sarampo e a gripe, voltada aos profissionais da saúde. A partir de 3 de maio, o foco serão crianças entre 6 meses e menores de 5 anos (ou seja, com até 4 anos, 11 meses e 29 dias).
Em São Paulo, o público-alvo contra o sarampo chega a 12,9 milhões. A meta da Secretaria de Estado da Saúde é atingir 95% das crianças.
O país tem registrado uma diminuição da imunização das crianças nos últimos anos, mesmo que a vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, esteja disponível o ano todo nas unidades de saúde.
Em São Paulo, no ano passado, agentes de saúde aplicaram a primeira dose em 73,8% do público-alvo, enquanto 60,1% receberam a segunda dose. O recomendado é um intervalo de 30 dias entre as duas imunizações.
Em 2020, no estado, 85,2% foram imunizados com a primeira dose e 67,1% com a segunda. No ano anterior, a cobertura foi de 91,8% para primeira e 82,5% para segunda dose.
“A conscientização dos pais e responsáveis sobre a importância da imunização de rotina, não apenas em momento epidêmico ou pandêmico, como o atual, é fundamental para proteger as crianças”, diz a Secretaria de Estado da Saúde, em nota.
Levi também ressalta a importância de se imunizar. “Quando você faz uma campanha, você tem um foco, um público-alvo que visa atingir. A tríplice viral está disponível nos postos de saúde como rotina para todo mundo, e qualquer pessoa que está suscetível deveria estar se vacinando.”
Por causa da pandemia de Covid-19, campanhas de imunização infantil foram prejudicadas no país. Muitas famílias deixaram de levar crianças a unidades de saúde com medo da transmissão do coronavírus. Além disso, o governo Jair Bolsonaro (PL) cortou gastos com propaganda da vacinação. O resultado foi uma queda histórica na imunização de crianças e adolescentes em 2021, com a pior cobertura vacinal em mais de 30 anos.
Ao mesmo tempo, durante a pandemia, o pouco contato com outras crianças em escolas e creches, as medidas de distanciamento social e o uso contínuo de máscara ajudaram a conter a transmissão do sarampo e de outros vírus.
Por Wesley Faraó Klimpel
São Paulo, SP