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Mudanças climáticas vão aumentar risco de problemas de saúde; saiba quais

Mortes por calor, problemas respiratórios, vírus transmitidos por mosquitos e doenças cardiovasculares são exemplos

Foto: Agência Brasil

Enquanto as mudanças climáticas avançam cada vez mais rápido, estudos mostram que temperaturas maiores impõem riscos não só à saúde do meio ambiente, mas dos próprios seres humanos. Mortes por calor, problemas respiratórios em áreas de queimadas florestais, vírus transmitidos por mosquitos e doenças cardiovasculares são apenas alguns exemplos das ameaças que crescem nesse cenário.
Estudo publicado na revista Nature, assinado por cientistas britânicos, suíços e brasileiros, estimou que até 76% das mortes ocorridas de 1991 a 2018 em consequência do calor estão relacionadas diretamente às mudanças climáticas provocadas pelo homem. E o número tende a aumentar, como alertou o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) das Nações Unidas (ONU). O documento divulgado em fevereiro foi o primeiro a detalhar o impacto do aquecimento na saúde humana.
“Durante muito tempo, o aquecimento global era um urso polar equilibrado na ponta de um iceberg: se fizermos tudo certo agora, vamos estabilizar o clima nos próximos 40 anos e o primeiro beneficiado será o urso”, resume Paulo Saldiva, da USP, membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e um dos maiores especialistas do País na relação entre mudanças climáticas e saúde humana.
“(O novo relatório) apresenta essa ideia de fundar a sociedade protetora do ser humano, porque as alterações acontecem dentro de um ecossistema do qual fazemos parte, com consequências imediatas para a nossa saúde.” Conforme o IPCC, ao menos 40% da população global vive em áreas “altamente vulneráveis” ao aquecimento. Como diz o relatório, toda história climática é também uma história de saúde.
O aquecimento global é o aumento das temperaturas médias da superfície terrestre causado pela concentração de gases do efeito estufa na atmosfera. Emissões da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, são a principal causa. Uma onda de calor extremo na Austrália já causou elevação de partos prematuros. A falta de alimentos na Síria, após mais um ano de seca, causou desnutrição generalizada. Já as enchentes no Sudão aumentaram as doenças relacionadas à água. Recentemente, o Brasil também viu esses efeitos colaterais: primeiro, um temporal recorde em Petrópolis causou 234 mortes. Pouco mais de um mês depois, cresceram na cidade os casos de leptospirose, impulsionada pelas enchentes.
Temperaturas maiores tornam os oceanos mais quentes. Esse processo leva ao derretimento de gelo nos polos e aumento dos níveis do mar. O aquecimento das águas afeta as correntes marítimas, que ajudam a regular o clima. Isso altera a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas e enxurradas. Nas regiões tropicais, o aquecimento favorece doenças infecciosas.
O aumento da temperatura atinge diretamente a oferta de água. Provoca aumento na evaporação e alterações no regime de chuvas. Isso prejudica a criação de animais e algumas culturas, sobretudo aquelas que formam a base da alimentação mundial, como milho, arroz, trigo e soja. Perdas súbitas na produção de alimentos e no acesso à comida provocam a queda da diversidade alimentar. Também causam alta dos índices de desnutrição, sobretudo em países pobres.
Segundo o IPCC, até hoje a temperatura do planeta já aumentou cerca de 1,1 ºC em relação aos níveis pré-industriais. Se chegar a 2 ºC, regiões que dependem do derretimento de gelo e glaciares podem enfrentar redução de até 20% da disponibilidade de água para a agricultura após 2050. Apenas na Ásia, 800 milhões de pessoas dependem do derretimento de glaciares para obter água.
Outro impacto direto é a expansão das áreas de ocorrência de doenças tropicais. Quando a temperatura sobe, enfermidades antes confinadas a áreas mais quentes começam a surgir em outras partes que antes eram mais frias.
Nas regiões tropicais, onde as temperaturas altas favorecem o ciclo de patógenos e vetores, a ocorrência de doenças infecciosas tende a aumentar. Mosquitos e as doenças que eles carregam (como malária, dengue e zika) podem se espalhar para latitudes mais altas. Nessas áreas, a temperatura mais elevada e o aumento das chuvas oferecem as condições ideais para a reprodução dos vetores. Isso aumenta a proporção da população exposta a doenças letais.
A destruição das florestas por meio de queimadas (causa de boa parte dos gases-estufa lançados na atmosfera) extermina o hábitat de muitos patógenos. Favorece assim o surgimento das chamadas doenças emergentes. Micro-organismos antes confinados à mata passam a ter contato direto com o homem. Foi o caso do vírus da aids e, mais recentemente, do coronavírus.
As queimadas também têm impacto mais imediato na qualidade do ar. Provocam um aumento considerável dos problemas respiratórios. “A cada dez microgramas por metro cúbico de ar de alta da poluição atmosférica elevamos o risco de câncer em 16%”, diz Saldiva. “E nenhuma grande cidade brasileira segue o padrão de qualidade do ar preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de cinco microgramas por metro cúbico. Em São Paulo, por exemplo, são 22. No Rio, 18.”
Karoliny Santiago, de 27 anos, jornalista que mora em Palmas, relata ter sentido nos pulmões os efeitos das queimadas. Asmática, ela voltava do trabalho quando um incêndio atingiu o principal parque da cidade, e cobriu de fumaça a região central de Palmas. “As ruas próximas ficaram cobertas de fumaça.”
No pronto-socorro, o médico detectou fumaça em seus pulmões. Ela foi submetida a tratamento com corticóides e nebulização reforçada. “Desejo que as pessoas tenham consciência sobre o quão ruins queimadas são para quem tem problemas de saúde”, afirma.
Em artigo na revista Lancet no fim de 2021, a equipe de Saldiva mostrou que a queima de florestas está associada à alta de 1% das internações no SUS. A taxa sobe se forem considerados só idosos (3%) ou crianças (5%). O estudo, com dados de 2000 a 2015, revela 143 milhões de internações como decorrentes de queimadas.
“Além dos problemas respiratórios, no caso de gestantes, por exemplo, nanopartículas de poluição são capazes de atravessar a placenta, provocando problemas cognitivos nos bebês”, diz a coordenadora do Programa de Saúde Pública e Ambiente da Fiocruz, Sandra Hacon. “Descobertas mais recentes mostram também problemas de degeneração e até perda irreversível da visão por causa da poluição atmosférica.” Ondas de calor extremo agravam várias condições de saúde de grande prevalência na população, como hipertensão, diabete e obesidade.
Saldiva explica ainda que o calor excessivo provoca complicações cardíacas, circulatórias e renais, entre outras. Diabéticos podem ter mais dificuldade para controlar a doença. Especialmente vulneráveis são crianças menores de 5 anos e idosos com mais de 70.
O calor excessivo frequentemente provoca a queda da pressão arterial. Essa redução costuma ser compensada com uma aceleração dos batimentos cardíacos. Em um organismo saudável, essa adaptação ocorre sem problemas. Mas em alguém com predisposição a problemas cardíacos ou saúde mais debilitada pode acarretar complicações.
Outro efeito comum das ondas de calor extremo é a desidratação. A perda muito rápida de líquidos pelo suor pode provocar o aumento da viscosidade do sangue. Favorece a formação de coágulos e a obstrução dos vasos, além do comprometimento dos rins.
Segundo Antônio Carlos Palandri Chagas, do Instituto do Coração (Incor) da USP, dados mostram que, por ano, há 7 milhões de óbitos no mundo por problemas ligados à poluição do ar. “E 50% dessas mortes estão relacionadas a doenças cardíacas e acidentes cerebrovasculares.” Estudos sobre os riscos para a saúde das ondas de calor ainda são poucos, diz Chagas, mas já suficientes para estabelecer a relação. “Os riscos são maiores para algumas populações, como hipertensos, diabéticos, pessoas com colesterol elevado, fumantes, obesos e inativos.” COLABOROU LAILTON COSTA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

Estadão Conteúdo
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