O coordenador Pedro Strecht afirmou que a investigação dos episódios faz, inclusive, referências a bispos que seguem em atividade
Foto: Agência Brasil
Giuliana Miranda
A comissão independente que investiga a ocorrência de abusos sexuais contra menores na Igreja Católica em Portugal confirmou ter encontrado indícios de ocultação de casos por parte da hierarquia clerical.
Na apresentação do balanço dos três meses de trabalho do grupo, criado a pedido da Conferência Episcopal Portuguesa –mas de atuação autônoma–, o coordenador Pedro Strecht afirmou que a investigação dos episódios faz, inclusive, referências a bispos que seguem em atividade.
Um dos mecanismos identificados pela comissão para abafar casos foi o de transferência de local de atuação dos acusados, método que se repete em diferentes ocorrências na igreja em diversos países. “Existia muito a prática do deslocamento da pessoa abusadora, como se, anteriormente, o local fosse visto como o determinante [para a ocorrência do assédio], não a pessoa em si”, disse o coordenador.
Desde janeiro, a comissão recebeu 290 depoimentos considerados válidos. A maior parte das alegadas vítimas, assim como dos supostos abusadores, era do sexo masculino. O grupo encaminhou 16 casos que ainda não prescreveram ao Ministério Público.
“É possível afirmar, a partir das redes de outras vítimas sinalizadas por essas 290 pessoas, que o número de crianças e adolescentes em causa atinge um número muito superior. Mas estamos na ponta do iceberg. É sempre bom não se esquecer disso”, afirmou Ana Nunes de Almeida, que integra a comissão.
Entre as possíveis vítimas há pessoas de diferentes origens socioeconômicas, nascidas entre 1993 e 2009. Houve relatos de todas as regiões do país e também de portugueses que hoje residem no exterior.
Os locais em que os abusos teriam acontecido são variados, de dependências de igrejas até salas de aula de religião em escolas ou grupos de escoteiros católicos. O grupo não divulgou um perfil dos alegados abusadores, mas já adiantou que a maioria é formada por pessoas diretamente ligadas à igreja, não só leigos a serviço da instituição. Nunes de Almeida revelou que a comissão pediu para entrevistar os 21 bispos de Portugal, mas, até agora, apenas 12 concordaram em falar com os pesquisadores.
Também integrante da comissão, o ex-ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio diz confiar na disposição da Igreja Católica em colaborar com as apurações, uma vez que a iniciativa de esquadrinhar a situação partiu da própria instituição. “Seria bizarro se a igreja, tendo tomado a iniciativa de dar a conhecer aquilo que negativamente marcou a sua história neste ponto, não viesse a acrescentar a esse lado negativo da prática dos atos [abusos] também o lado negativo da tentativa da sua ocultação.”
Em Portugal, o grupo foi criado após escândalos de abuso sexual contra crianças e adolescentes na Igreja Católica ganharem a atenção em todo o mundo. A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja em Portugal começou a funcionar em janeiro, pouco depois de um relatório na França indicar que houve mais de 210 mil vítimas entre 1950 e 2020 naquele país.
Ao fim dos trabalhos, a comissão entregará um relatório à Conferência Episcopal, que irá decidir como agir. Além de coletar relatos, o grupo também apura com documentos presentes nos arquivos diocesanos.