Os cariocas mostraram que a alegria de viver prevalece, apesar da perda de mais de 660 mil pessoas na pandemia e da crise econômica
Paolla Oliveira voltou a Sapucaí pela Grande Rio. Foto Mauro Pimentel/ AFP
O Carnaval carioca fez desfilar na avenida a folia e energia contidas durante a pandemia e apontou para as eleições de outubro, quando a polarizada sociedade brasileira deve decidir se reelege Jair Bolsonaro.
Ainda com a ressaca do dia anterior, as escolas de samba arrastaram neste sábado cerca de 70 mil pessoas para uma viagem hipnótica no icônico Sambódromo, com exibição de fantasias e corpos sambando ao som das baterias sacudindo a saudade.
Os desfiles devolveram ao Rio de Janeiro o status de capital mundial do Carnaval e os cariocas mostraram que a alegria de viver prevalece, apesar da perda de mais de 660 mil pessoas na pandemia e da crise econômica que se seguiu.
“O brasileiro é otimista”, “acha que no final tudo vai dar certo”, resumiu Nivana Chagais, de 56 anos, que na noite de sábado desfilou por duas das 12 escolas.
Passarela de coreografias prodigiosas, o Sambódromo também costuma ser palanque político que reflete especialmente as preocupações sociais e das classes populares, em cujo seio nasceram as escolas do samba.
A destruição da Amazônia, a vulnerabilidade das terras indígenas e o racismo, problemas que marcaram especialmente o governo do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, entraram no roteiro.
“É um bom momento (…) para homenagear as lideranças negras porque estamos vivendo um período complicado, com muitos preconceitos”, disse Felipe Cordeiro, cabeleireiro de 32 anos que participou do desfile-homenagem a personalidades como Nelson Mandela e Barack Obama pela Paraíso do Tuiuti.
Com faixas mais típicas de um protesto do que de um desfile, a Unidos da Tijuca repudiou a polêmica tese do “marco temporário”, defendida pelo agronegócio com o apoio de Bolsonaro, segundo a qual devem ser consideradas terras indígenas apenas aquelas ocupadas por esses povos em 1988.
“Demarcação já”, “Brasil, terra de indígenas”, diziam os lemas de um desfile que também alertou sobre a destruição da Amazônia, cujo desmatamento anual disparou mais de 75% desde que o presidente chegou ao poder em 2019 em comparação com a década anterior.
“Bolsonaro tem que sair (do governo) este ano”, nas eleições de outubro, disse Elisabet de Souza, uma jovem que desfilou pela Imperatriz na sexta-feira. “A partir daí, tudo vai melhorar”.
Das arquibancadas, gritos contra Bolsanaro e aplausos a favor de seu principal rival, o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva.
“Sem dinheiro”
Tradicional atração para o turismo estrangeiro e maná para a economia local, este ano o carnaval foi uma festa especialmente para os cariocas, com apenas 14% de estrangeiros, ante 23% em 2020.
Os desfiles aconteceram dois meses depois da data tradicional e sem os blocos de rua, que a cada ano transformam a cidade em uma pista de dança ao ar livre com poucas regras e muitos excessos.
Leandra Llopis, de 47 anos, que há mais de duas décadas lida com a logística de várias escolas de samba, confessou que preparar esse Carnaval atípico foi “uma corrida de obstáculos”.
“Devido à pandemia, faltou recursos. Muitas pessoas estão agora sem dinheiro e os desfiles têm um custo enorme”, explicou.
As escolas, por exemplo, tiveram que suspender seus ensaios por meses, uma importante fonte de renda graças às doações daqueles que as frequentam as quadras.
Embora para realizar o Carnaval, “no final as pessoas sempre conseguem”, concluiu Llopis.
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Sabrina Sato. Foto: Mauro Pimentel/ AFP