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Vigiar funcionário é efeito colateral de trabalho híbrido

As dúvidas em relação à assiduidade no local de trabalho podem ser preocupantes de modo especial para um grande grupo de empresas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Os esquemas de trabalho híbrido costumam lembrar problemas de matemática. Três dias por semana no escritório, dois em casa; 50 trabalhadores se deslocando para o local de trabalho de quase 100 mil metros quadrados e dez pizzas. A tudo isso se somam 40 horas de trabalho de alguma maneira – e um desafio de logística para empresas tentando determinar se uma parte da solução é ficar de olho nas idas e vindas das pessoas.
Enquanto decidem como administrar seus planos de retorno ao escritório, os executivos estão enfrentando questões que vão além de como manter as pessoas seguras contra o coronavírus. Eles estão considerando se devem monitorar a frequência ou continuar confiando que os funcionários farão seu trabalho.
Quando milhões de americanos começaram a trabalhar de casa há dois anos por causa da pandemia – um terço da força de trabalho em maio de 2020 -, eles se beneficiaram de um novo grau de autonomia. Seus gestores, em muitos casos, viram que as tarefas eram concluídas, então a suposição era de que eles estavam trabalhando durante todo o expediente.
Agora, conforme as empresas chamam os funcionários de volta para o local de trabalho, aumentando a ocupação dos escritórios em todo o país para acima de 42%, elas estão decidindo se permitem aos trabalhadores continuar com essas liberdades ou tomam medidas para garantir que as pessoas estejam trabalhando em suas mesas.
As dúvidas em relação à assiduidade no local de trabalho podem ser preocupantes de modo especial para o grande grupo de empresas que combinam trabalho presencial e remoto. Das 91 empresas com planos de voltar ao escritório que a Cushman & Wakefield está acompanhando, 86% adotaram políticas híbridas e os 14% restantes permitiram que seus funcionários permanecessem trabalhando de modo remoto por tempo indeterminado.
Alguns gerentes do Goldman Sachs, que tem aproximadamente 20 mil funcionários em Nova York e pediu que eles voltassem a trabalhar no escritório cinco dias por semana em todo o país, estão mantendo planilhas para monitorar quais trabalhadores comparecem ao local de trabalho. Na Bloomberg, os funcionários há muito tempo podem ver por meio de um sistema interno quando seus colegas entram no edifício. Na SmartRecruiters, empresa de software, os gestores podem usar dados do sistema de reservas de mesas para acompanhar quais funcionários estão indo trabalhar ou não.
“Uma parte da nossa filosofia de recursos humanos é que gostaríamos de monitorar se as pessoas estão indo trabalhar [no escritório]”, disse Jenae Kaska, chefe de experiência dos funcionários da SmartRecruiters, cujos profissionais em Londres devem comparecer ao local de trabalho às quintas-feiras.
Mas alguns trabalhadores, depois de experimentar a flexibilidade do trabalho remoto e fortalecidos por um mercado de trabalho aquecido, não ficaram contentes em serem monitorados enquanto fazem a transição para voltar ao escritório. Eles se sentem pressionados a aparecer quando sabem que seus supervisores estão coletando dados de frequência, mesmo quando os números crescentes de casos de covid-19 causam preocupação. Cerca de um terço dos trabalhadores entrevistados pela CCS Insight, empresa de consultoria e inteligência de mercado, mencionaram a pressão para irem ao escritório como uma de suas preocupações em relação aos esquemas de trabalho híbrido.
Muitos gestores ficam igualmente desmotivados com a perspectiva de terem que monitorar a assiduidade. “Também sou uma pessoa ocupada, e a ideia de ter que vigiar como se estivéssemos na escola outra vez é horrível”, disse Sara Baer-Sinnott, presidente da Oldways, organização sem fins lucrativos de nutrição e alimentação em Boston, cuja equipe tem dez profissionais.
Alguns especialistas disseram que as empresas recorrendo a sistemas de monitoramento provavelmente já tinham um problema com a cultura do local de trabalho antes. Eles argumentam que aquelas preocupadas em manter controle rígido sobre seus funcionários talvez queiram questionar sua estratégia para reunir as equipes novamente.
“É como contratar um jogador de futebol e dizer ‘Não importa quantos gols você faça, só me importo com quantas horas você treina'”, disse Nicholas Bloom, professor da Universidade Stanford e especialista em trabalho remoto. “Se uma empresa está monitorando quais dias você vai ao escritório, existem sinais de alerta. Por que você não está avaliando os funcionários segundo sua produtividade, o que eles fazem?”.
Políticas linha-dura em relação ao comparecimento ao local de trabalho são mais frequentes em setores como serviços financeiros, onde os empregadores tendem a ser rígidos em relação a seus planos de retorno ao escritório.
“Às vezes, há um toque de ameaça velada”, disse Zach Dunn, cofundador da Robin, plataforma para empresas gerenciarem o trabalho híbrido. “Eu estive nas empresas com vários profissionais de RH e uma das perguntas que eles sempre faziam era: ‘Como podemos confirmar que as pessoas estão trabalhando quando não estão no escritório?'”
“Parece algo vindo de uma liderança da velha guarda pedindo a uma equipe de RH que basicamente aumente o comprometimento”, acrescentou. “Que é uma expressão disfarçada para fazê-los sentar a bunda na cadeira e trabalhar.”
No Goldman Sachs, as informações sobre a assiduidade dos funcionários foram discutidas durante a reunião semanal de gerentes do banco de investimento da empresa, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto que não estavam autorizadas a se manifestar publicamente. Em uma das reuniões, os gerentes estudaram estratégias para obrigar os profissionais a irem ao escritório, como agendar compromissos no local de trabalho com colegas nos dias em que as pessoas costumam trabalhar remotamente ou agendar reuniões às segundas e sextas-feiras, quando menos tendem a ir ao escritório.
Menos de dois mil funcionários do call center do JPMorgan Chase em Columbus, Ohio, são obrigados a trabalhar no escritório três dias por semana.
Eles são informados de quais dias devem ir ao local de trabalho para que a empresa possa administrar melhor a acomodação dos profissionais, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o assunto.
Na Bloomberg, que tem 21 mil funcionários em todo o mundo, há anos os profissionais podem usar um sistema interno para saber quando os colegas passam seus crachás nos sensores para entrar no prédio. As exigências na volta aos escritórios da empresa variam de acordo com as equipes. A maioria dos trabalhadores deve ir ao local de trabalho três dias na semana, no entanto, essa expectativa foi flexibilizada durante o surto de infecções causadas pela variante Ômicron. As informações do sistema interno da empresa não costumam ser usadas para penalizar as pessoas que não aparecem, embora, é claro, a presença de todos os funcionários no escritório seja facilmente perceptível para os supervisores.
Algumas empresas estão coletando dados a respeito de quando os funcionários vão ao local de trabalho, mas não analisam os padrões de assiduidade individuais dos trabalhadores. A DocuSign, por exemplo, que em dezembro abandonou seu plano de retorno ao escritório em janeiro e tem mais de sete mil funcionários, examina as informações relacionadas com reservas de mesas e salas de reunião, assim como apresentação de crachás nas instalações para ver quais dias e horas as equipes estão usando o local de trabalho. Mas a empresa não verifica o que cada funcionário está fazendo, disse Joan Burke, chefe de recursos humanos da organização.
“Não estamos monitorando o comparecimento”, disse Joan por e-mail. “Nossos funcionários provaram que podem trabalhar bem de qualquer lugar.”
Uma variedade de novos sistemas de software dá aos empregadores informações a respeito da frequência dos trabalhadores. A Eden Workplace, empresa de software, produz ferramentas para ajudar a administrar sistemas híbridos, inclusive permitindo que os trabalhadores reservem mesas e salas de reunião.
Na SmartRecruiters, cliente da Eden Workplace, Jenae disse que os gestores podem usar dados do sistema para entrar em contato com os funcionários quando eles reservam uma mesa e não aparecem, especificamente no escritório de Londres, onde os profissionais devem ir ao local de trabalho uma vez por semana. Alguns funcionários da filial gastam mais de duas horas com deslocamento até o local, mas vários dos entrevistados disseram gostar da camaradagem no escritório.
“Queremos saber se eles estão bem quando não aparecem”, disse Jenae. “Supomos que estejam trabalhando de casa, mas queremos ter certeza de que estão bem.”
Por enquanto, a SmartRecruiters depende de sua equipe de operações para verificar a presença dos funcionários em Londres, mas a empresa está contratando um gerente de recepção para assumir a tarefa. Jenae também disse que a empresa provavelmente recorreria mais aos dados de frequência do Eden, se suas filiais fora de Londres implementarem planos para voltar aos escritórios.
“Teríamos mais uma política de acompanhamento das pessoas em relação ao motivo de elas não estarem aparecendo”, disse ela.
Mas muitos trabalhadores, em todos os setores, estão resistindo à perspectiva de terem sua frequência ao escritório monitorada agora que se acostumaram com a liberdade de decidir quando e onde fariam seu trabalho melhor. Um estudo do Future Forum, grupo de pesquisa apoiado pela empresa de tecnologia Slack, descobriu que 94% daqueles conhecidos como trabalhadores intelectuais (que não realizam serviços braçais) queriam alguma flexibilidade ao definir seus horários e que 79% gostariam de ter alguma flexibilidade para definir onde trabalham.
“Não tenho ninguém me vigiando, mas se tivesse, isso me causaria muito estresse”, disse Rose Worden, que trabalha em uma organização sem fins lucrativos em Washington e deve ir ao escritório duas vezes por semana. “A confiança é importante em qualquer emprego.”
E muitos especialistas em tecnologia alertam que softwares de monitoramento de qualquer tipo – frequentemente chamados de “bossware” (algo como “chefeware”) – podem ter um efeito prejudicial na cultura corporativa.
“O fato de que qualquer interação feita por você no trabalho seja possivelmente analisada pelo seu chefe tende a mudar a maneira como você se dedica ao trabalho”, disse Rob Reich, diretor do Centro de Ética na Sociedade da Universidade Stanford. “Isso é tratar os funcionários como se fossem máquinas otimizadas para o desempenho máximo em vez de seres humanos.”
A rejeição às ferramentas de monitoramento talvez leve à discussão de planos de retorno ao escritório mais diretos e cuidadosamente elaborados, de acordo com especialistas em local de trabalho. Se todos os funcionários de uma equipe forem trabalhar nos mesmos dias, por exemplo, em vez de escolherem três dias aleatórios para irem ao escritório, não haveria necessidade de monitorar a frequência – tanto porque seria óbvio quem estava ali e quem estava em casa, como porque mais funcionários voltariam prontamente para o local de trabalho.
“Qual é o sentido de ir se nenhum de seus colegas está lá?”, disse Bloom, que presta consultoria a executivos em relação ao trabalho híbrido. “Se você precisa obrigar os funcionários a fazerem algo que em sua opinião vai ajudá-los, isso não os está ajudando. O próximo passo vai ser ter um professor na frente do escritório com uma régua na mão e jogando giz nas pessoas que não estão trabalhando”, acrescentou. “É como se você voltasse para a sétima série.”

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Estadão Conteúdo
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