“Antes desse aumento da inflação dava para fazer uma poupança, gastar com extras. Mas agora está difícil; é só pagar conta”, diz Célia Cotta
A bancária aposentada Célia Regina Cotta, de 64 anos, percebeu que todas as conquistas que vieram com a estabilidade de preços foram perdidas abruptamente. “Antes desse aumento da inflação dava para fazer uma poupança, gastar com extras, como roupa, sapatos, um passeio. Mas agora está difícil; é só pagar conta”, diz, lembrando que o condomínio aumentou, o plano de saúde, a luz e o gás também.
Célia mora sozinha, mas cuida de um sobrinho de 10 anos que passa o dia na sua casa. No supermercado, por exemplo, ela gastava R$ 900 com a compra do mês antes da pandemia. Hoje, mesmo trocando marcas, reduzindo quantidades e cortando itens, desembolsa entre R$ 1,5 mil e R$ 1,6 mil.
A carne é apontada por Célia como um dos vilões da alta de preços. Até pouco tempo, ela consumia dois quilos de carne moída por mês. Agora é só um quilo. A proteína animal foi substituída por frango, ovos, verduras e legumes. No entanto, ela diz que está difícil chegar a um novo equilíbrio no orçamento com as substituições, porque os preços, no caso dos hortifrútis, também subiram muito.
A alternativa de fazer estoque para aproveitar o preço em conta, ela abandonou de vez. Antes, Célia mantinha na geladeira uma dúzia de latinhas de cerveja. Agora só compra quando vai receber as amigas, porque sair para beber ficou caro. Ainda assim, a quantidade caiu pela metade.
Marca mais barata
Isabely Louzada, de 22 anos, mãe da Olívia, de 3 anos, é de uma geração que nunca tinha sentido no bolso uma disparada tão forte da inflação. O Plano Real, que trouxe a estabilização dos preços, entrou em vigor em julho de 1994, quando ela ainda não era nascida.
Apesar de não ser “escolada” para lidar com a alta de preços como a avó e o tio, com quem ela mora, Isabely já aprendeu os macetes para driblar a inflação de alimentos e itens de higiene e limpeza. “Tudo o que a gente escolhe é da ‘marba’, a marca barata”, brinca, relatando que tem trocado sucessivamente a marca de produtos. O sabão Omo de lavar roupa, por exemplo, foi substituído pelo Ariel e este pelo Tixan. A escolha depende de qual marca está em promoção no dia da compra.
Isabely observa que antes da pandemia os preços nos supermercados já estavam elevados. Mas, na sua opinião, ainda era possível levar o básico necessário. “Na época, a gente conseguia comprar carne, iogurte, Toddynho e algumas besteiras se tivesse vontade.”
Hoje, a situação é diferente. Quando se coloca no carrinho tudo o que deseja, a compra passa de R$ 1 mil e fica inviável para ela. Carne bovina praticamente a família não consome mais, só a moída, em pacotinho, que é de segunda. “Bife, carne de panela, são raríssimos, não comemos faz um bom tempo.” No lugar da carne, ela optou pelo frango e ainda o mais barato.
Também a bolacha recheada, que às vezes comprava, saiu da lista do supermercado. Hoje é só torrada e biscoito de água e sal, e do mais simples. As duas caixas de leite com 24 litros, que eram consumidas principalmente pela filha, foram cortadas pela metade.
Como profissional autônoma que trabalha nas áreas de confeitaria e de estética, a renda de Isabely oscila muito. Tem meses que tira entre R$ 3 mil e R$ 4 mil e em outros, como foi em janeiro deste ano, um pouco mais de R$ 1 mil. Sem recursos para a matrícula, ela teve de trancar a faculdade de fisioterapia neste semestre. “A gente vive numa corda bamba e tem que pender cada hora para um lado para não cair no buraco e se afundar.”
Estadão Conteúdo