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Multinacionais de armas escalam militares brasileiros para lobby na Defesa

Interessadas em prospectar negócios com a ampliação do mercado brasileiro, multinacionais de armas e de equipamentos de guerra escalaram militares graduados, com influência no governo Jair Bolsonaro (sem partido), para fazer lobby comercial no Ministério da Defesa.
A estratégia se desenrola no momento em que o Brasil planeja expandir seus investimentos no setor dos atuais 1,4% (hoje, R$ 109 bilhões) para 2% do PIB (Produto Interno Bruto) em longo prazo.
A diretriz para reequipar as Forças Armadas é evitar compras diretas e estimular parcerias entre empresas estrangeiras e nacionais, a fim de atrair a produção dos materiais a serem comprados para o território nacional, com transferência de tecnologia.
Com contratos na mira, representantes de empresários e de países interessados em fazer negócios batem à porta da Secretaria de Produtos de Defesa (Seprod) do ministério, que funciona como um abre-alas para essas tratativas.
Próximo de Bolsonaro, o general reformado Paulo Chagas e um grupo de outros militares fizeram reuniões neste ano com o chefe da secretaria, Marcos Degaut, e com integrantes do Estado-Maior da Aeronáutica para a companhia italiana Leonardo International.
A agenda oficial da secretaria, obtida pela Folha via Lei de Acesso à Informação, registra apenas a presença do general, na condição de consultor, em 13 de fevereiro deste ano, embora outros militares estivessem presentes, além de um executivo da empresa.
Chagas foi o candidato do bolsonarismo pelo PSL ao governo do Distrito Federal em 2018, mas não se elegeu.
No ano passado, foi alvo de operação da Polícia Federal no chamado inquérito das fake news, aberto pelo Supremo para apurar supostos ataques aos seus ministros pela internet.
“Tivemos uma audiência no Ministério da Defesa. O objetivo era mostrar tudo o que a Leonardo tem para oferecer. E ela tem tudo o que o Exército e a Força Aérea precisam, ou quase tudo”, disse o general à Folha.
Segundo ele, embora tenha participado da aproximação da empresa com o governo, ainda não assinou contrato com a multinacional, pois a pandemia interrompeu as negociações.
Chagas afirmou que, com um grupo de amigos, pretende abrir uma firma para representar a Leonardo. No passado, explicou, esse time defendeu os interesses de uma empresa israelense, fornecedora do Exército.
O general já juntou material sobre os produtos da companhia italiana e enviou ao escritório de projetos do Exército.
“O retorno foi quase que imediato. Eles viram vídeo, quase tudo o que eu mandei. Falaram: ‘Olha, nos interessa, sim, conhecer tudo o que a Leonardo tem, porque tudo o que ela tem faz parte do nosso portfólio, das coisas que nós queremos'”, disse.
Um dos principais objetivos das reuniões é convencer o governo a comprar da Leonardo caças M-345 e M-346.
Serviriam para combate, mas também para treinamento de pilotos, pois estão num estágio tecnológico intermediário entre os Supertucanos, usados atualmente pelo Brasil, e os Gripen, comprados da sueca Saab.
“Nessa ida a Brasília a gente tratou desse assunto. Mas existem outros bem mais delicados, como os de guerra eletrônica. Me parece que a Aeronáutica está se voltando para o uso de drones”, disse o coronel reformado da Aeronáutica Flávio Passos, do time citado por Chagas.

A Folha procurou a Leonardo, que não se manifestou.

Em outra frente, a ISDS (International Security & Defense Systems), que representa um grupo de empresas israelenses do setor, vem atuando com a ajuda do consultor Flávio Josmar Pelegio, coronel do Exército que passou à reserva em 2013.
Em 1º de agosto do ano passado, ele esteve na Secretaria de Produtos de Defesa com o presidente da companhia, Leo Gleser.
À Folha Pelegio confirmou ter vínculo comercial com a ISDS, da qual se diz consultor, mas não quis dar detalhes da reunião ou dos propósitos da empresa. A ISDS não se pronunciou.
Na ativa, o coronel comandou regimentos de cavalaria mecanizados do Exército. É considerado nas Forças um oficial bem relacionado e influente.
Na véspera da agenda na Defesa, ele e Degaut se reuniram no Palácio do Planalto com o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, cada um em um horário distinto.

Questionada sobre a pauta desses encontros, a pasta disse que foram apenas “visitas de cortesia”.

Segundo Degaut, “normalmente o ministério não trabalha com consultores”. “Mas, como vieram recomendados por empresas, atendemos. Se houver alguma coisa que possa ser apresentada para as Forças como de interesse, a conversa prossegue”, disse.
Questionado, Degaut disse que, “na maior parte dos casos”, o conhecimento técnico é o motivo de multinacionais colocarem militares à frente de seu lobby comercial na Defesa. Ele afirmou, porém, que, “em alguns casos”, conta também o acesso que eles podem ter a autoridades.

Segundo ele, não há óbice na pasta para esse tipo de atuação.

“A partir do momento em que ele está na reserva, tem total autonomia para escolher a carreira que desejar. Se quiser ser representante comercial, pode ser. Se achar que os contatos que construiu ao longo da vida dele podem ajudar em alguma coisa, pode tentar a sorte. Diz respeito à iniciativa individual”, afirmou.
Os lobbies da Leonardo e da ISDS, segundo a Defesa, ainda estão no status de propostas e não evoluíram para contratos ou parcerias.
Degaut afirmou que compras são feitas com base na realidade orçamentária, desde que o produto ou serviço esteja “dentro do planejamento estratégico” das Forças.
Diversos projetos estão sendo discutidos, entre eles uma associação entre a MBDA, produtora europeia de mísseis, e uma empresa brasileira. Foi esse o assunto de reunião entre Degaut e representantes da multinacional em 19 de novembro de 2019.
Um dos presentes era o contra-almirante Antônio Fernandes, que já deixou a ativa e agora é diretor da Simtech. A empresa confirmou à Folha que representa a MBDA no Brasil.
Ao menos três grupos estrangeiros já fecharam parcerias neste ano e estiveram no ministério antes de acertarem investimentos que, somados, chegam a R$ 1 bilhão na construção de fábricas.
A eslovena Arex, fabricante de pistolas e outros tipos de armas, assinou um memorando para firmar sociedade com a Delfire Arms (DFA). Passarão a produzir em Goiás, com incentivos fiscais do estado.

A indiana Tatra está se instalando no Paraná e a americana Springfield, no Rio Grande do Sul.

A suíça Sig Sauer deve montar operação em Minas Gerais. Para isso, teve apoio do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Em abril, ele postou no Twitter a foto de uma reunião com representantes da Sig Sauer, prometendo ajudá-los: “Falta a garantia política de que o lobby não atochará tantas burocracias para emperrar a instalação [de uma fábrica no país]”.
O avanço de fabricantes de armas no Brasil ocorre no momento em que Bolsonaro incentiva a população as se armar, proposta apresentada pelo presidente na famosa reunião ministerial de 22 de abril. ​
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