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Sem cotas, negros e LGBTs tentam abrir espaço na política e celebram avanços

Cinco deputados anunciam acordo para disputar presidência da Câmara contra  Maia - 12/12/2018 - Poder - Folha
A Constituição diz que é objetivo da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Também afirma que qualquer cidadão pode ser votado, desde que preencha requisitos básicos, como estar no pleno exercício dos direitos políticos e ter filiação partidária.
Muitos brasileiros, contudo, se consideram fora dessa equação. Não por terem o direito de candidatura cerceado, mas porque a competição em pé de igualdade parece algo distante —e vencer, mais ainda.
É porque “a nossa democracia representativa não representa”, para repetir um chavão usado na militância da diversidade na política, que ativistas ligados a negros, LGBTs, povos indígenas e PCDs (pessoas com deficiência) querem ver as eleições municipais deste ano lotadas de candidatos das causas.
Parte dos defensores dessas bandeiras quer a criação de cotas que possam, segundo eles, encurtar a distância que separa porta-vozes desses grupos de cadeiras no Legislativo e no Executivo. Mas reconhecem que, mesmo sem um mecanismo afirmativo, há avanços.
Hoje, só há reserva de vagas para mulheres —que desde 2010 devem preencher no mínimo 30% do espaço nas chapas ao Legislativo. Indiretamente, no entanto, o dispositivo acaba também beneficiando os demais grupos minorizados, que têm mulheres na sua composição.
Como política específica para negros, um passo importante foi dado na semana passada, quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu obrigar os partidos a destinarem recursos do fundo eleitoral de maneira proporcional à quantidade de candidatos negros e brancos.
A mudança, contudo, só terá validade a partir da eleição de 2022 e se restringe ao aspecto financeiro, sem estabelecer mecanismo para efetivamente ampliar a presença de não brancos nas listas que as legendas levam às urnas.
Dos prefeitos, vices e vereadores eleitos em 2016, 59% se autodeclararam brancos, 36%, pardos, 5%, pretos e 1%, indígenas/amarelos.
Os índices contrastam com o tamanho de cada grupo na população geral do país conforme os critérios do IBGE: 43% se consideram brancos, 47%, pardos, 9%, pretos, e 1%, indígenas/amarelos.
Pardos e pretos formam 56% da população, mas foram, somados, 48% entre os candidatos e 41% entre os vitoriosos na eleição passada.
Quando se sobrepõem os critérios raça e gênero, a situação pode ser ainda mais dramática, com desvantagem para a fatia feminina. Segundo levantamento da Folha, 62% dos prefeitos eleitos foram homens brancos, grupo que na população geral corresponde a 20%.
Já o grupo de mulheres pretas, que totaliza 5% na população geral, representou apenas 0,2% do quadro de eleitos para comandar as prefeituras no Brasil e 0,6% do total de vereadoras.
Pré-candidata a vereadora em São Paulo pelo PSOL, Keit Lima, 29, afirma que as barreiras para alguém como ela (“mulher, preta, gorda, periférica”) são muito maiores. Ela aponta o racismo estrutural como o principal problema e considera que isso começa, de maneira geral, já nos partidos.
“Minha maior dificuldade no momento é grana. As pessoas da minha bolha estão tentando sobreviver, colocar comida na mesa. Não tenho como pedir ajuda a elas. Brancos que se dizem antirracistas podem ajudar candidatos negros com doação de campanha”, diz a moradora da Brasilândia (zona norte).
Keit chamou de “histórica para o movimento negro brasileiro” a decisão do TSE que estabeleceu a proporcionalidade na distribuição dos recursos públicos de campanha a partir de 2022. Ela reconhece a conquista de espaço nos últimos anos, mas sonha com mais.
“Nós precisamos ser também os escritores das políticas públicas. Não dá para pessoas que nunca pegaram um ônibus ou precisaram do SUS falarem de mobilidade e saúde gratuita”, diz a ativista de movimentos negros e periféricos na capital paulista.
O senador Paulo Paim (PT-RS), negro em um Senado dominado por brancos, disse à Folha no mês passado que o Congresso espelha a desigualdade racial e defendeu a adoção de mecanismos para a inclusão. “É muito difícil negro e pobre romper todas as barreiras. É uma batalha desigual.”
O problema da sub-representação recai também sobre indígenas. Joenia Wapichana (Rede-RR) foi a primeira mulher indígena eleita deputada federal da história do Brasil —em 2018.
“Hoje temos a Joenia, mas quantos anos se passaram para chegar do [cacique Mário] Juruna até ela?”, questiona a ex-senadora Marina Silva, fundadora do partido da advogada e, como ela, também nascida na Amazônia. Juruna foi o primeiro indígena eleito para o Congresso —em 1982.
Segundo o TSE, em 2018 houve um crescimento de 56,47% de candidatos que se declararam índios ou descendentes. Foram 133 concorrentes, ante 85 nas eleições de 2014.
No caso de candidatos abertamente LGBTs, não há informações oficiais, já que os candidatos não registram orientação sexual na Justiça Eleitoral. Os dados disponíveis são coletados por organizações da área, mas têm alcance limitado.
Um levantamento de julho da Aliança Nacional LGBTI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) mostrou a existência em todo o país de 411 pré-candidatos assumidamente LGBT, além de 24 que declararam apoiar os direitos dessa população. Em 2016, foram 215 candidatos.
“Acho que nós estamos muito bem [em termos de participação]”, diz Toni Reis, presidente da Aliança. “Nós éramos muito periféricos. As pessoas nem falavam em homossexuais. Aos poucos, mais gente tem se colocado. É bacana porque gera o debate, tira da invisibilidade.”
Na visão dele, a chegada de LGBTs ao poder se dará à medida em que a sociedade aceitar a diversidade nas esferas sexual e afetiva. “Tenho uma dificuldade com a ideia de cotas para LGBT. As pessoas podem mentir [a orientação], né? É meio difícil provar”, constata.
Para parte da comunidade, um debate que precisa ser feito é sobre o papel que esses postulantes, se eleitos, devem desempenhar. Pré-candidato a vereador em São Paulo pelo PSB, Agripino Magalhães diz que é necessário eleger pessoas que não só sejam LGBT, mas também defendam a temática.
“Não podemos aceitar o lugar de ‘candidaturas de oportunidade’, para ajudar a eleger aqueles que pedem nossa morte todos os dias”, afirma o assessor parlamentar e ativista, que é gay. Para ele, candidatos que tenham boa votação em eleições proporcionais podem acabar arrastando inimigos da causa.
Agripino diz ver o risco, por exemplo, na pré-candidatura do ator e empresário Thammy Miranda, que pretende disputar uma vaga na Câmara pelo PL, um partido sem tradição em militância na área.
Thammy tem dito que se define como uma pessoa progressista e que é importante estar em uma legenda tida como conservadora para introduzir a questão do gênero e romper barreiras na direita.
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