Foi um cumprimento de cotovelo, adotado para manter o distanciamento social em meio à pandemia do coronavírus, que quebrou a tensão durante a troca no comando no Ministério da Saúde, na manhã de sexta-feira, 17. Após discursar por 15 minutos, o agora ex-ministro Luiz Henrique Mandetta se dirigiu ao presidente Jair Bolsonaro com o braço flexionado para se saudarem. Bolsonaro sorriu pela primeira vez, após ter passado toda a fala do ex-auxiliar com o rosto fechado e sem olhar para Mandetta, mesmo quando mencionado por ele em gesto de agradecimento.
A cerimônia contou com ministros, o procurador-geral Augusto Aras, e os filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), e poucos convidados do novo ministro da Saúde, Nelson Teich. Inicialmente, a orientação da Presdiência era fazer uma cerimônia pequena, mas, segundo um auxiliar, muitas pessoas apareceram.
A plateia foi acomodada em cadeiras afastadas umas das outras. Havia 50 no local, mas muitas pessoas ficaram em pé. Apesar do público reduzido, ao final, todos se aglomeraram, para os cumprimentos a Teich.
Ao justificar a troca no comando da Saúde, Bolsonaro usou uma metáfora futebolística. “Sempre falei que o nosso ministério é um time. E um time de vez em quando alguns jogadores são substituídos. Por vezes por cansaço. Por vezes naquele jogo ou a partir daquele momento a gente precise modificar o placar. Não há demérito para ninguém neste momento e todos torcem pelo time Brasil”, disse o presidente, que, no dia anterior, afirmou que a demissão de Mandetta havia sido um “divórcio consensual”.
O ex-ministro, após a cerimônia, negou que estivesse “cansado”, como citado por Bolsonaro, mas admitiu que a separação foi em comum acordo e elogiou o presidente. “Gosto muito do presidente, ele é bem-intencionado. Ele está vendo um problema, o problema econômico é muito grande”, disse. Ao longo de toda a crise, Mandetta resistiu em pedir demissão. Não queria ficar com o ônus de abandonar o barco, mas, na visão de aliados do presidente, forçou a demissão nos últimos dias, principalmente após entrevista concedida no último domingo, 12, ao Fantástico, na Rede Globo.
Após participar da cerimônia de posse, Mandetta, ainda no Palácio do Planalto, conversou com os jornalistas. No mesmo momento, Bolsonaro passou pelo corredor para subir ao seu gabinete e se posicionou de costas para o ex-ministro quando precisou esperar o elevador. Pouco antes, o vice-presidente Hamilton Mourão passou pelo mesmo local e, ao ser cumprimentado por repórteres, respondeu: “Tudo sob controle. Não sabemos de quem”.
Além de divergências sobre a condução do enfrentamento na pandemia do coronavírus, o protagonismo de Mandetta, que conquistou rápida popularidade, causou incômodo em Bolsonaro e em seu clã, que acusavam o ex-ministro de fazer da covid-19 um palanque político. Até mesmo o uso do colete com o slogan do Sistema Único de Saúde (SUS), adotado por Mandetta, gerava incômodo no bolsonarismo.
Aos repórteres, Mandetta negou que tenha, neste momento, pretensões eleitorais para 2022. Entretanto, quando questionado sobre seu futuro, deixou o caminho em aberto: “Política é destino”, respondeu, citando frase de Napoleão Bonaparte, um dos líderes da Revolução Francesa que depois se tornou imperador.
A exposição na crise do coronavírus catapultou Mandetta de 120 mil seguidores nas redes sociais, no início do ano, para 1,3 millhão no Twitter, Instagram e Facebook. No ambiente digital, onde se concentra a força do bolsonarismo, o ex-ministro também foi alvo de ataques. Questionado sobre como usará a popularidade, Mandetta afirmou que não será “para falar mal de ninguém” ou divulgar “fake news”.
“Qualquer análise política é precipitada. As coisas passam. Todo mundo tem um vídeo que consegue virar meme. Há um mundo virtual, e o mundo real. Eu trabalhei no mundo real, dos fatos. No mundo virtual, ele está lá. Interajo, mas tem que ter cuidado. Não tem filtro, as pessoas são muito ‘haters’, parece tóxica. Precisa compatibilizar bem. Acho que vou reler os diálogos platônicos que eu não entendi nada”, disse nesta sexta-feira. No auge da crise, em entrevista coletiva, Mandetta já havia citado um dos textos de Platão, o Mito da Caverna. A referência foi recebida como um recado a Bolsonaro.
Ao ser questionado sobre o que fará agora que deixou o governo, o ex-ministro apenas respondeu: “Agora eu vou cortar o cabelo”.